O Alentejo é um descampado dum sonho infinito e o contacto de um solo extenuado. Numa vertigem de contemplação, embriagamo-nos na charneca rasa, numa monotonia de sons da natureza, rica em segredos. É o ulular do vento, que “num brado refresca o calor”, o queixume dos matos, o sussurrar dos sobros, azinhos e oliveiras, os gritos dos grous, das corujas e do bufo real, o cantar das raposas e os grunhidos dos javalis. A imensa planura alentejana é uma vastidão de terra genuína, severa e máscula. Ao calcorrear os seus montados desmedidos, sente-se Portugal, a terra ainda no estado original, virginal, exposta e aberta, onde se enche a alma e afunda os pés.
O que resta dos lusitanos, romanos, árabes e cristãos encontra-se registado dentro dos muros do Alentejo. Aqui, Endovélico, Júpiter, Alá e Jeová, sempre se entenderam.
As curvaturas, as cantarias, as cúpulas, as chaminés e os minaretes das casas; a açorda de coentro e o gaspacho de alho e vinagre das refeições; as saias e o cante alentejano, património imaterial da Humanidade; os exércitos de estevas e rosmaninhos que perfumam o ar; as impacientes parelhas de mulas com as suas guizeiras das festas; o tintinar dos chocalhos dos rebanhos de ovelhas que oferecem uma música minimalista, alienante, de bela que é, fazem parte do quotidiano visual, gustativo e auditivo.
O parque de Campismo Rural Lapa dos Gaivões fica na fronteira que delimita a serra, a norte, e a peneplanície a sul.
A norte fica a pequena propriedade de um variado mosaico de olivais, vinhas, pinhais, pomares, carvalhais, castinçais, carvalhais, hortas, matos e matagais, bosques com cursos de água que rasgam a montanha, onde se ergue a magnifica serra de S. Mamede, com as suas cristas quartzíticas, soberbas e pujantes, atingindo a altitude 1025 metros, que se prolonga por 40 km e 10 km de largura. De um lado é granítica, do outro são xistos, grauvaques, calcários e quartzitos.Para sul, “será preciso quebrar primeiro a nossa luneta de horizontes pequenos, e alargar, depois, o compasso com que habitualmente medimos o tamanho do que nos circunda. Agora as distâncias são intermináveis, e as estrelas, no alto, brilham com fulgor tropical…Mas o que nele é sobretudo extraordinário é a sua inflexível determinação de conservar uma fisionomia inconfundível, haja o que houver…A seus pés desdobra-se o extenso palco do seu destino: a infindável planície a que dá vida e movimento… Um mundo livre, sem muros, que deixou passar todas as invasões e permaneceu inviolado, alheio às mutações da história e fiel ao esforço que o granjeia. Nenhum limite no espaço e no tempo. Seja qual for o ponto cardial que escolha a inquietação, terá sempre o infinito diante de si, em pousio para qualquer sementeira.” (Miguel Torga)
